E agora? (um breve mapa das tendências políticas)

Em 2018 Bolsonaro era eleito para perplexidade de muitos e pairavam inúmeras incertezas para a esquerda. Ele daria um golpe? Ou seu governo cairia diante da crise? Como bem sabemos hoje, nem um nem outro. Suas ameaças golpistas serviram de fato para alimentar toda uma base radicalizada do bolsonarismo, mas nunca passaram de ameaças vãs, usadas na maior parte do tempo para negociar com outros atores do regime. Por outro lado, mesmo cometendo um sem número de atrocidades com a população, principalmente com os indígenas e durante a pandemia, e diante de inúmeras crises e incertezas econômicas, Bolsonaro nunca viu o seu governo realmente ameaçado de queda. Ainda que ao longo do mandato tenha perdido muita força política, o controle da maquina estatal lhe garantiu um mecanismo perpétuo de compra de apoio, que o impediu de ser derrubado.  No final das contas a “ditadura fascista” virou apenas um governo do centrão (mas é preciso ter o cuidado de não ignorar o processo de fascistização1 curso).

No plano econômico o crescimento extremamente desigual da economia com lucros recordes para o agronegócio enquanto os salários perderam cada vez mais poder compra2, ajudaram a explicar tanto a manutenção de Bolsonaro no poder, uma vez que não era do interesse da elite econômica que seu governo caísse, quanto a sua derrota eleitoral para Lula, já que a crise social3 abriu um amplo espaço nas massas para o retorno do Partido dos Trabalhadores (PT). Contudo, mais decisivo que qualquer outro fator, a manutenção do governo Bolsonaro se deu muito mais por uma recusa das forças de esquerda em derruba-lo. Desde Abril de 2017, com o recuo da greve geral, a esquerda capitaneada pelo PT buscou retirar o centro de gravidade da luta das ruas e leva-lo “para cima”, mesmo diante de ataques pesadíssimos como foi a prisão de Lula. A aposta era na decomposição da extrema direita a curto/médio-prazo, que permitisse um cenário de recomposição do ambiente de conciliação típico do período pré-2013. Em outras palavras, apostaram que a tempestade seria passageira.

 Cinco anos e mais de 600 mil mortes depois o cálculo parece ter funcionado em certa medida para estes setores. A direção do PT não só conseguiu montar uma nova aliança com o empresariado, a partir de um programa muito mais a direita do que antes, como conseguiu recuperar a hegemonia da esquerda, arrastando-a para o frenteamplismo com uma gravidade incrível. É claro que pesaram muito neste processo os diferentes níveis de oportunismo que refletiram em traições como a da direção do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), liderado por Juliano Medeiros. Fundado em 2004, o partido serviu como um ponto de reagrupação para organizações que faziam oposição à esquerda do PT, que na época já passava diversas reformas neoliberais. Hoje, quase vinte anos depois, o PSOL abandonou qualquer princípio de independência política ou de protagonismo das lutas de base, para  servir de linha auxiliar da frente-ampla, e enquanto isso, Medeiros, um burocrata com uma história de militância política pífia e sem qualquer histórico de liderança nas lutas ou mesmo sem ter sido eleito para qualquer político, pleiteia abertamente um cargo no novo governo PT. Esse movimento “liquidacionista” (de se liquidar, se aniquilar mesmo, dentro de outro partido) acabou com um importante centro da esquerda mais radical.

O que parece é que o levante popular de 2013 não assustou somente a elite burguesa, mas também as direções da esquerda, que perceberam que não teriam força para controlar toda a fúria represada da população com o caos social que se acumula a décadas, principalmente nas grandes cidades. Na eventualidade de uma situação mais inflamada, as lideranças dos partidos e movimentos sociais não conseguiriam ter muito controle da situação, e assim a única forma de manterem sua posição privilegiada nestes movimentos seria de fato sabotando a rebelião, para deixar claro que o único caminho é a negociação, aonde eles poderia conduzir o processo. 

Foi por isso que os últimos cinco anos se tornaram um verdadeiro pesadelo para aqueles que estavam mais politizados: Todas as greves, protestos, paralisações, plenárias, assembleias foram extremamente sabotados, tudo para impedir que a gigantesca crise social que viria não se desenvolvesse em um processo de luta organizado e, mais perigoso, capaz de ter um direcionamento autônomo em relação aos donos da esquerda.

E a crise no governo Bolsonaro não foi pequena. Os desmatamentos na Amazônia pularam de uma área anual de 1.743 km² para mais de 3.228 km², sendo 1.255 km² destes em áreas indígenas4. Mais de 10 milhões de pessoas entraram na miséria, o que totalizou mais de 49 milhões de pessoas5 e, com o salário mínimo perdendo poder de compra diante do aumento da inflação, 33 milhões de pessoas entraram no mapa da fome6. Além disso, cerca de 60 milhões de pessoas entraram na estatística de desemprego, desalentados, insuficiência de horas ou em negócios familiares7, formando um cenário de terra arrasada em muitas cidades. O caos social aliado ao reacionarismo do governo causou diversos impactos, mas para ficar apenas em um particularmente sombrio, o Brasil é o país no mundo com o maior número de assassinatos de pessoas trans (cerca de 40% do total), onde dificilmente uma travesti passa dos 35 anos, de acordo com o relatório a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil), de 20228. Mas no campo a devastação tomou contornos ainda mais dramáticos, somente nos três primeiros anos ocorreram mais de 5.700 conflitos, o maior desde o começo da série histórica da CPT (Comissão Pastoral da Terra), com os assassinatos passando de 9 em 2020, para 109 em 20219. Entre indígenas a situação foi muito cruel, tendo em vista que com a combinação abandono/facilitação do acesso de armas, houveram 1.915 mortes:  847 por covid, 744 crianças de menos de 5 anos morreram por doenças, 176 por assassinatos e 148 por suicídios de acordo com um relatório do CIMI10 (Conselho Indigenista Missionário).

Manter a população sobre controle em uma situação assim requer muito mais do que repressão ou ideologização barata a partir de espantalhos políticos. Diante de uma crise como essa são necessários acordos, negociações, que se não forem bem conduzidos podem levar a explosões sociais cada vez mais intensas. Em outras palavras, a elite burguesa entendeu que era preciso trazer de volta a conciliação de classes, ainda que em um patamar mais rebaixado. Essa foi a aposta da burguesia para o Brasil diante da nova onda de revoltas e protestos na América Latina11 (Nicarágua, Porto Rico, Haiti, Equador, Chile, Bolívia, Peru e Colômbia), uma vez que o governo Bolsonaro, ao mesmo tempo que esmagava os movimentos sociais e sindicatos, também conjurava um movimento explosivo das massas. O problema (para eles) é que o retorno de Lula ao poder, ainda que em tese ajude a aliviar a pressão das massas, conjura movimentos de greve e por direitos, que podem ser adiados pela burocracia, mas jamais impedidos12.

É neste cenário que aparece uma encruzilhada para as organizações de esquerda e os movimentos sociais: servir de linha auxiliar do PT (e consequentemente do setor da burguesia que é seu fiador político) e tentar avançar apesar duplo desafio de ter que construir um projeto de reformismo capaz de minimamente lidar com a crise social sem ser “agressivo” ao ponto de abalar a cada vez mais frágil hegemonia neoliberal; Ou nadar contra a corrente e tentar se construir de forma independente das elites econômicas mas sem afundar numa linha semirreligiosa de sectarização e culto ao passado, sob o risco de se perder em um ativismo fragmentado com traços “folclóricos”, ou em um academicismo descolado da realidade.

Por isso, quando se trata de lutar pelo socialismo, é preciso ter como referência algumas coordenadas fundamentais, para não correr o risco de um desvio tão grande que leve ao fortalecimento das forças de reação. E mesmo quando a situação exige o recuo é preciso manter algum nível de orientação, sob o risco de acabar correndo direto para as trincheiras inimigas. Mas não se trata de dizer para onde correr, ou como se reagrupar, mas sim de distinguir os perigos que diferentes estratégias podem trazer. É preciso reconhecer o teatro de operações, mas sem cair no erro de achar que existe uma forma geométrica infalível para se ocupar território, ou ainda no erro oposto de achar que basta se posicionar meramente se adaptando ao relevo. Existem problemas em diferentes níveis que devem ser levados em conta simultaneamente13. Em outras palavras, é preciso olhar para os marcos que orientam a caminhada.

Nacionalismo x Internacionalismo

Os primeiros socialistas vinham de um período onde era preciso superar o nacionalismo romântico das revoluções burguesas e por isso desenvolveram muito rapidamente a noção de internacionalismo como sendo imprescindível para a plena realização do socialismo.  Contudo no século XX há um recrudescimento “tático” do nacionalismo pelos marxistas, principalmente após o isolamento da revolução russa, que leva a ascensão da noção de “socialismo em um só país” (que na prática congelou o desenvolvimento do socialismo). Ainda que no pós-segunda guerra o movimento de libertação das colônias tenha trazido avanços relativos para os países subdesenvolvidos, estes continuam em grande medida submetidos politica e economicamente aos países centrais do capitalismo. Em outras palavras, estes movimentos nacionalistas libertaram as colônias mas também substituíram o governo de uma elite pelo governo de outra elite, ainda que por uma materialmente mais fraca e que por isso precisa fazer acenos a população.

Não faz sentido se organizar, mobilizar as pessoas, para no final fortalecer o lado daqueles que estão no poder, e por isso mesmo posicionar-se envolve sempre dilemas. Muitas vezes a melhor posição consiste em discernir qual a melhor distância entre dois problemas. Nesse caso específico a questão é apoiar o imperialismo (problema 1) ou apoiar uma elite local (problema 2). Não se trata apenas de saber que o problema 1 é maior que o problema 2, mas sim de como evitar ambos. Trazendo para a do Brasil, na última década vimos PT, PC do B e diversos setores do PSOL se tornarem entusiastas de praticamente qualquer governo terceiro mundista14 ou de qualquer país “não alinhado” com os Estados Unidos (retomada da tese campista15 da guerra fria). Isso levou a nossa esquerda a apoiar acriticamente regimes autoritários que concretamente impedem o desenvolvimento de qualquer movimento ao socialismo, mesmo que estes de alguma forma fizessem oposição ao imperialismo. Da Rússia a Venezuela e a Síria, sobre o pretexto de uma suposta “frente anti-imperialista”, milhares de militantes e ativistas de esquerda apoiaram forças de reação que oprimem outros milhares de militantes e ativistas de esquerda como eles16.  No extremo oposto, existe o caso das organizações que ao tentarem assumir uma posição mais internacionalista e classista, repudiando essas elites locais, acabam sendo malsucedidas e fazem o movimento inverso, fortalecendo o imperialismo17.

Não são poucas as polêmicas que existem entre as diferentes organizações marxistas sobre temas relacionados ao posicionamento diante de crises, guerras e revoluções internacionalmente. Atualmente a mais urgente é em relação a guerra na Ucrânia.  De uma lado estão aqueles que defendem a invasão russa como uma forma de defesa diante do avanço da OTAN sobre o leste europeu. Do outro estão aqueles que defendem a autodeterminação e defesa do estado ucraniano. A verdade é que ambas as situações são verdadeiras: tanto a invasão russa foi uma resposta a uma provocação da OTAN, quanto ela impacta diretamente sobre as condições de vida da população ucraniana e por deveria cessar imediatamente. A questão aqui é que uma resolução do conflito desfavorável para a Rússia aumenta as tensões no leste europeu, enquanto que a derrota da Ucrânia agravaria mais ainda a situação interna daquele país, e congelar momentaneamente o conflito, que depois voltaria a escalar. Neste caso onde não há saída simples, é difícil encontrar grupos que tenham uma posição equilibrada em relação a esse conflito18, cuja saída deve passar necessariamente pela interrupção da guerra.

Classe e povo

Os movimentos socialistas do século XIX se deram no marco da industrialização europeia, quando a população camponesa migrou em massa para as cidades (muitas vezes forçados) e acabaram desenvolvendo um forte senso de solidariedade frente ao decréscimo das condições de vida19. Por essa razão esses movimentos tiveram um forte senso classista, no sentido de antagonismo entre operários e burgueses, mesmo em países onde a classe operária ainda era uma minoria. Contudo, antes disso, na idade média, lutas parecidas se davam entre camponeses e a nobreza, ou ainda, entre escravos e senhores, como, aliás, já acontecia desde a idade antiga. E de fato os primeiros socialistas surgiram em movimentos religiosos, em um contexto de enfrentamento com a monarquia20.

A questão é que tomar o desenvolvimento da sociedade europeia como “padrão” traz problemas para analisar a situação em outros países, principalmente quando a composição social passou por outros processos. Movimentos camponeses tem um peso social muito forte em muitos países (inclusive foi assim na revolução russa), e hoje temos outras modalidades de trabalho urbano diferente do proletariado clássico, como as massas de trabalhadores precarizados trabalhando quase sem direito em aplicativos de multinacionais, além de toda diversidade de trabalho informal21. O que está em jogo nesse debate é a universalidade da categoria. Quando Marx deu um peso especial para o proletariado nas lutas estava pensando em seu caráter mais “universal” dentro do capitalismo frente a outras formas de opressão, e logo com maior potencial para rompe-lo. Mas por outro lado, a hierarquia social pode existir sob diferentes formas e muitas lutas e revoluções podem ter outras composições, mais heterogêneas e que por isso mesmo chamamos de lutas populares22. E elas não são menos urgentes que a luta operária urbana.

No Brasil o maior movimento social é o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), de caráter campesino, e a maior organização operária a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ambos ligados ao PT. No entanto, a despeito dos inúmeros governos petistas, nunca um nome do MST esteve à frente do ministério da agricultura e nunca um nome da CUT esteve à frente do ministério do trabalho. Contudo , foram raros os momentos onde foi possível observar a CUT e o MST convocando mobilizações conjuntas, mesmo durante a conjuntura golpista que retirou o PT do poder. Além disso, existem outros movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, MTST, do precariado urbano e o movimento dos povos indígenas (representados principalmente pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil – APIP), que promovem lutas importantes, mas que raramente conseguem ter ressonância entre si.

Fragmentadas, nenhuma dessas lutas consegue produzir uma ruptura maior, e essa parece justamente ser uma estratégia de desmobilização usada por diversos setores das elites burguesas, como o Partido Democrata nos EUA, por exemplo. No Brasil é muito preocupante que esta tenha se tornado a linha dominante do PSOL, dirigido pela corrente Primavera Socialista: fragmentar o partido em várias setoriais que agem de forma independente sem conseguir impor uma linha política consistente de unidade para todas as lutas populares. Outros partidos tentam abraçar a causa das lutas populares, mas quando o fazem, pendem para o nacionalismo reformista, como é o caso da Unidade Popular (UP) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) – ainda que aleguem ser revolucionários23. No outro extremo existem grupos menores, propagandistas, que se focam apenas nos movimentos operário e estudantil, tentando preparar a “vanguarda”24 de um futuro processo revolucionário, e que muitas vezes vêm essas outras lutas como uma capitulação ao populismo25, como se uma “hegemonia da classe trabalhadora26” fosse capaz de surgir quase que instantaneamente a partir de qualquer luta.  Como contraponto a todos esses casos é importante citar que grupos anarquistas com a FARJ (Federação Anarquista do Rio de Janeiro) mostraram que é possível construir movimentos de luta populares, como a FIST (Frente Internacionalista dos Sem-Teto), capazes de unir a resistência do dia-a-dia com uma perspectiva estratégica internacionalista27.

Reforma e Revolução

Reforma é o temo utilizado para se referir a pequenas mudanças na estrutura do estado, que leve a modificações sociais. Uma reforma agrária, por exemplo, seria uma modificação nas leis e na administração pública que permitisse ao estado tomar posse de terras improdutivas de latifundiários e repassa-las para trabalhadores rurais sem terra. Já uma revolução seria a substituição brusca de um regime político, ou seja, de uma determinada forma ou estrutura de governo para outro, controlado por outro setor da sociedade. É importante diferenciar que nem toda revolução é necessariamente progressista, no sentido de trazer avanços, ela demarca apenas uma transição brusca de poder24. Também existe o caso de revoluções que retiraram a classe burguesa do poder político, mas é preciso lembrar que enquanto houver o capitalismo, a burguesia continuará detendo o poder econômico em escala global. Assim, asó podem ser respondidas, ainda que parcialmente, a partir de algum nível de reforma imediata. É importante dizer que nenhuma reforma, por melhor que seja, é capaz de resolver plenamente os problemas produzidos pelo modo de produção capitalista, mas isso não as torna menos importantes. Sem o bolsa-família as pessoas passam fome, sem o plano nacional de imunização as pessoas adoecem. Mas nenhum grupo de esquerda deveria se opor a qualquer política reformista, deveria no máximo apontar seus limites: o bolsa-família não vai acabar com a pobreza no Brasil, o PNI não vai erradicar todas as doenças. Essas reformas são fruto direto da luta dos movimentos sociais organizados, apesar de muitas vezes serem utilizados como trampolim para políticos oportunistas, tanto da direita quanto da esquerda.

O desenvolvimento histórico do Brasil produziu uma situação curiosa: pressionada por uma classe trabalhadora urbana  que multiplicou de tamanho muito rápido ao longo de poucas décadas, a elite burguesa nacional se viu obrigada a aprender a conceder reformas para poder construir sua hegemonia. Com o tempo isso levou inclusive a ascensão do PT, que representava o setor majoritário da direção dos sindicatos nacionalmente, que abraçou completamente a perspectiva de reformismo como o único avanço social possível.  Diante desse monopólio petista das reformas, o que restou para uma parte dos setores de esquerda foi atacar as próprias reformas como forma de tentar disputar o discurso mais radical. O problema disso foi que muitas vezes esses setores acabaram fazendo coro com as alas mais reacionárias da burguesia. A verdade dura é que para cada reforma social proposta pelo PT,  por mais ineficiente que fosse, ouve algum grupo radical de esquerda se opondo28.

Ao invés de ocuparem e fortalecerem os movimentos sociais para exigir cada vez mais melhorias na qualidade de vida da população formaram-se seitas cujo objetivo era criar uma “intelligentsia” que fosse capaz de disputar o controle da máquina pública do PT e assim disputar o controle desses movimentos por cima. Em outras palavras, as organizações de esquerda passaram os anos do governo do PT formando quadros para serem dirigentes, e não militantes de base nos movimentos sociais. Não bastasse isso polemizaram com os grupos anarquistas que seguiram tentando fazer uma construção de base independente, mesmo diante de todas as limitações que significava conduzir o movimento desta forma em paralelo aos governos de conciliação de classe do PT29. Com a derrubada de Dilma e a Prisão de Lula abre-se uma conjuntura golpista que leva a um giro de 180 graus na política de várias organizações que passam a defender o PT. O movimento mais notável neste sentido foi o de toda uma ala do PSTU que rompeu com a política golpista de “fora todos” e se reagrupou no PSOL sob o nome de “Resistência”. Foi um giro de 180º, que em poucos anos levou a Resistência se tornou uma das correntes dentro do PSOL mais entusiastas da política de frente ampla do PT30. Ao longo do governo Bolsonaro, essa tendência se acentuou a medida que foi ficando nítido que este estava perdendo força e que o PT retornaria ao governo.  Para a intelligentsia esquerdista-progressista órfã, este retorno se tornou uma oportunidade de ocupar cargos na máquina pública.

Mas qual o problema de se adaptar a linha reformista e compor o governo? Bem, o reformismo puro e simples, sem qualquer mudança social substantiva ou ruptura com a ordem vigente, na prática leva a uma política de costura de vários acordos com as elites, que serão sempre mais vantajosos para elas do que para nós. Por exemplo, neste momento, a despeito da vitória eleitoral para presidente, as câmaras legislativas são amplamente conservadoras, e a sobrevivência política do PT dependerá de sua capacidade de comprar o apoio do mesmo centrão que sustentou o governo Bolsonaro. Ora, o preço desse apoio será uma série de cargos e políticas que irão garantir primeiro os interesses das elites. Somente depois de ter gastado seu capital político desta forma é que o novo governo poderá fazer alguma política um pouco mais progressista para agradar a sua base.

Centralização e Horizontalidade

A tomada de decisões democráticas é um principio fundamental em torno do qual se organiza a luta popular, seja na cidade ou no campo. Mas a forma que a democracia encontra dentro dos movimentos varia muito. Grupos que reivindicam o anarquismo tendem a adotar um modelo de organização bastante horizontal, com todos os militantes participando da tomada de decisões (ou pelo menos das mais importantes). No começo dos anos 2000 vários movimentos sociais ligados a Ação Global dos Povos (AGP) revindicaram o horizontalismo, mas não obtiveram sucesso em produzir um acúmulo de forças capazes de provocar transformações sociais mais importantes ou um legado organizativo mais sólido. Ainda que se atribua a estes movimentos um caráter “frouxo” ou mesmo “pouco disciplinado”, pelo menos para os padrões de uma esquerda mais marxista mais clássica, é inegável que constituíram uma experiência muito importante de renovação da esquerda, e que precisa ser analisada a partir de um olhar mais criterioso31

Já grupos que reivindicam o modelo de partido leninista tendem a adotar o centralismo democrático: a direção do grupo se reserva ao direito de deliberar os momentos em que a tomada de decisões será mais ou menos centralizada. Assim, pelo menos em tese, numa organização leninista existem momentos que a tomada de decisão será mais horizontal, normalmente nos congressos que irão tirar uma linha política a ser seguida pelo partido, e existem outros momentos onde as decisões são tomadas por um círculo menor de militantes mais experientes, o comitê central. Pode haver inclusive situações específicas onde a tomada de decisões é feita diretamente pela direção.

O centralismo democrático foi pensado para a militância na ditadura czarista, extremamente  violenta e repressora. A centralização do partido refletia a necessidade de preservar seus quadros mais experiente e toda complexidade de construir a militância em um contexto clandestino. No entanto, quando os Bolcheviques tomara o poder na revolução de Outubro, o que se seguiu foi uma sangrenta guerra civil onde o partido se viu levado a adotar uma organização cada vez mais centralizada e até mesmo militarizada. O problema é que depois do fim do conflito, e com a morte de sua principal liderança, o partido não apenas manteve centralismo, como passou a deforma-lo cada vez mais, com muitas direções usando a estrutura organizacional para silenciar diferenças políticas32, que se tornou mais autoritário a medida que o stalinismo se fortaleceu na União Soviética.

Hoje no Brasil temos organizações marxistas que reivindicam o centralismo democrático, mas na prática estão presas a alguma forma de burocratismo, isto é, cada vez mais controlados de cima para baixo. Assim, temos desde o PCB33 e a UP34, abertamente stalinistas, com uma estrutura bem rígida, quase militarizada35, controlados por sua burocracia orgânica, passando pelo PC do B e PSOL, orientados quase que exclusivamente em função de eleger os seus quadros (são comitês eleitorais permanentes), até o PSTU, que formalmente reivindica o modelo do partido bolchevique, mas que na prática é apenas uma performance para a manutenção da mesma burocracia no controle do partido36. Há até mesmo o caso bizarro do PCO que é um partido controlado por uma família, embora este partido seja bizarro em inúmeros sentidos37. No entanto, quando se fala de burocratismo38, nenhum partido supera o PT, que de fato é o lar da burocracia sindical do país. Os últimos 20 anos de história sindical do Brasil foram praticamente as ações das direções do PT para combater ou corromper linhas mais radicais a esquerda. Toda a pressão exercida pela gigantesca maquina partidária é de fazer com que os grupos a esquerda abandonem qualquer postura de enfrentamento, em favor de um projeto de conciliação de classes com a burguesia nacional. No último período o resultado foi a submissão até dos grupos menores a frente ampla com setores reacionários da burguesia nacional em nome de um suposto enfrentamento ao fascismo.

“Suposto” por que estes mesmos setores fizeram de tudo para dificultar o desenvolvimentos dos protestos “fora Bolsonaro”39, e porque no fundo essa frente esconde uma política de manutenção de um ambiente de político e econômico favorável para que a burguesia financeira continue lucrando a partir do estado brasileiro40

A questão da ciência

Por fim é preciso dizer umas palavras sobre esta questão, principalmente depois que se iniciou a pandemia da Covid 19, e foi possível ver coisas como a Liga Bolchevique Internacionalista41 atacando as vacinas, o PCO fazendo coro aos movimentos antivacina diversas vezes 42, o Esquerda Diário sendo utilizado para divulgar protocolos falsos envolvendo cloroquina e ivermectina43, ou mesmo o fato de que 99% da esquerda não soube como debater academicamente para pautar cientificamente este tema, e se limitou a reproduzir pífias medidas de mitigação44. Na verdade hoje temos condições técnicas para erradicar essa pandemia, não é sequer necessário conviver com essa doença, assim como muitas outras, mas esta pauta ficou completamente fora de discussão45.  É preciso questionar o questionar o que está acontecendo que está empurrando a esquerda para longe do pensamento científico.

Uma hipótese (baseada totalmente em observação pessoal, é importante que se diga) é a de que o longo período de isolamento político dos grupos mais radicais os levou cada vez mais a se tornarem verdadeiras seitas, cada vez mais parecidas com religião do que com a ciência. E de fato é impressionante como a produção acadêmica ligada a essas organizações é muito pequena, e que seus textos e documentos mais importantes são debatidos internamente nos grupos, de forma fechada. Até que ponto existe uma construção coletiva entre os grupos que reivindicam o marxismo? É possível observar algo como uma revisão de pares entre estas organizações, e entre estas organizações e o meio acadêmico em geral?  Sem estes aspectos não há um desenvolvimento científico dessas correntes, e seus militantes ficam cada vez mais expostos a discussões viciadas, a ideias que circulam apenas em pequenos grupos. Isso não produz senso crítico, produz rebanho. O trabalhador que se politiza e procura um desses grupos dificilmente estará tendo acesso facilitado a saberes científicos que o permitam tomar decisões melhores para construir a sua luta, é mais provável que esteja sendo doutrinado para acatar as ordens de um restrito comitê central cuja metodologia sequer pode ser verificada as claras.

Parece sintomático que quase sempre as discussões que se dão entre militantes na maioria das vezes se dá em torno de quem detém a interpretação mais verdadeira do pensamento e da vontade de alguma figura histórica forte (geralmente um Lênin metafísico, de onde emana toda militância). É como se toda verdade já tivesse sido escrita durante a revolução russa, e coubesse a todas as outras gerações reproduzi-la, e aqueles que a reproduzem com maior fidelidade tem mais direito de dirigir a revolução sobre os demais. Exemplos históricos são importantes, contanto que se leve em conta o contexto histórico, ou melhor, a historicidade46, e contanto que se faça o devido balanço. Sem dúvida é importante resgatar os exemplos históricos, mas também buscar entendê-los.

O problema mora no fato de que muito pouco se vê de elaborações teórico-críticas capazes de dar contribuições importantes para as questões concretas de hoje a partir das importantes experiências históricas das lutas dos oprimidos. E mesmo quando há, elas estão acessíveis somente a um pequeno círculo de intelectuais acadêmicos de algum determinado nicho. Existem informações que simplesmente não circulam por públicos mais amplos. Outro problema é que a pesquisa acadêmica sobre temas associados a luta de classe sejam conduzidos de forma bastante autonomizada por especialistas em relação as necessidades dos movimentos sociais envolvidos. É importante relembrar que que a pesquisa científica não deve caminhar separada do debate em relação as questões sociais que suscita, e neste sentido é sempre importante perguntar “para quem” e “para quê” está se produzindo conhecimento47.

Um bom exemplo de debate crítico sobre as experiências históricas de luta é o que o Instituto de Teoria e História Anarquista vem desenvolvendo. Sem dogmatismos, esse grupo vem desenvolvendo contribuições críticas para as questões atuais a luz de experiências do passado. Entre os marxistas é sempre importante destacar o bom trabalho de curadoria do Marxist Internet Archive (MIA) que mantém uma vasta biblioteca virtual, como também o trabalho pequeno mas importante do Reagrupamento Revolucionário (RR4I) de qualificar o debate sobre o trotskismo e a 4ª internacional a luz das pesquisas historiográficas mais importantes.

Conclusão

É preciso saber colher também os frutos da derrota. Bolsonaro foi derrotado eleitoralmente, apesar da extrema direita não ter sido vencida, e o preço foi sacrificar todas mobilizações dos trabalhadores e movimentos sociais nas ruas. Com isso as forças da reação continuam mais fortes do que nunca e no próximo período o PT será o aplicador das reformas neoliberais que aprofundarão a crise economia e social. Mais do que nunca será necessário constituir um movimento independente, mas para isso é preciso romper com todos os vícios que a esquerda vem arrastando no último período. É muito sintomático que nesta situação reacionária que vivemos com o refluxo de todas as lutas, tenham ganhado força justamente figuras paternas, capaz de resolver “magicamente” os problemas: Bolsonaro, Lula e, no campo da esquerda que se pretende radical, Stalin. Essa necessidade de um “poderoso salvador” reflete uma incompreensão das massas frente a gravidade da crise e a ânsia por uma saída fácil.

Só que a vanguarda que poderia pautar o debate e ajudar a trazer compreensão simplesmente não é capaz de dar uma resposta. Seja porque abraçaram a adaptação a crise e estão ocupados demais lutando entre si para ocupar espaços no maquina burocrática estatal, seja porque não conseguem se referenciar para além de leituras superficiais e limitadas de textos básicos, os quais são tomados como dogmas de uma religião. Em outras palavras, se a forma-partido da esquerda radical entrou em crise, ela deu lugar a uma forma-religião, que produz inúmeras seitas. E em nenhum dos casos as organizações estão sendo capazes de apontar saídas para a crise muito para além do que elas próprias criticam. Aqueles que deveriam olhar mais longe estão ficando cegos.

Neste caso, é importante conjurar outra forma para a esquerda, a forma-ciência. É preciso que a produção científica dos quadros de esquerda sirva para algo mais do que garantir índices de produtividade de professores universitários, é preciso inaugurar formas de organização capazes de reelaborar modelos, e denunciar que as condições técnico-científicas do mundo de hoje permitem solucionar grande parte dos problemas que temos hoje e pautar saídas que a burguesia não se atreve a pautar.  Em outras palavras é preciso mostrar que outro mundo é possível. No entanto o que tem acontecido é justamente o contrário, coisas como o trabalho-remoto e o controle estatal da produção (no caso de leitos e testes em países como França e Alemanha) foram pautadas pela própria burguesia, ainda que em caráter puramente emergencial, e que tenham sido abandonadas logo depois. 

É preciso resgatar a ideia da luta também como um projeto de pesquisa, como uma investigação, mas para isso é preciso romper com o sectarismo das organizações de esquerda, que muitas vezes apenas produzem discursos em função de disputa política entre elas. É preciso confrontar com honestidade a as tendências e, mais importante, é preciso que haja uma comunidade de pares na esquerda. Nenhum principio de autonomia pode deixar de lado o caráter de científico dos discursos que são produzidos, os militantes não podem simplesmente agir por fé. É preciso resgatar o ceticismo: quem produziu o discurso? Como foi feito? Como foi revisado? Funciona ou não? Essa definitivamente não é uma tarefa que pode ser levada a frente apenas por um grupo pequeno, mas sim pela integração de uma grande comunidade de militantes, que também precisam ser preparados para tal. A formação política também precisa ser formação teórica, e isso deve ser levado a sério.

Ninguém é inquestionável, toda direção deve ser de posta a prova, não apenas por sua base, mas a partir de um debate franco com todos aqueles que reivindicam a transformação social. Isso significa três coisas:

  • É preciso que haja um trabalho base capaz de formar militantes capazes produzir um discurso verdadeiramente crítico ao capitalismo, e não apenas reproduzir programas políticos do século XIX. Os quadros precisam ser capazes de pautar soluções mais avançadas para todos os problemas decorrentes da crise capitalista, e não apenas serem apagadores dos incêndios da burguesia.
  • É preciso disputar as massas, ainda que de forma insipiente. Assim como o neopentecostalismo como fenômeno ideológico não surgiu pronto, mas começou a partir de pequenas igrejas e poucos pregadores até se tornar uma força quase irresistível, nós precisamos aprender a utilizar as ferramentas de comunicação em massa (e se possível construir novas) para chegar em pessoas que não estão na universidade.
  • É preciso haver uma cultura de intercâmbio permanente de produções, leituras e críticas entre as diferentes organizações. É necessário interromper o desenvolvimento endogamico que em última análise transforma a base militante em gado e formar pessoas acostumadas com o debate, ou do contrário se perpetuarão direções burocratizadas incapazes de fazer balanços autocríticos que estarão sempre provocando rachas.

Mas não se trata aqui de construir uma crítica vazia, e sim de apontar caminhos para superação de limitações que mesmo o presente texto apresenta. Este documento não tem a pretensão de ser científico já que é o resultado de uma tentativa de organizar varias reflexões pessoais do autor, muitas feitas em base a poucas experiências militantes. Mas é um convite para que outras pessoas se juntem e o transformem na pedra inicial de um projeto maior, a partir de críticas, corroborações e/ou complementos.

Estejamos sempre abertos ao debate.

Luiz Henrique, Resende, 20 de Dezembro de 2022.

1- Conferir o estudo de Douglas Ribeiro de Souza sobre os elementos que produzem esta fascistização no governo Bolsonaro: https://periodicos.ufes.br/agora/article/view/38295/25496

2- Sobre a evolução de alguns indicadores econômicos no governo Bolsonaro: https://www.dw.com/pt-br/a-trajet%C3%B3ria-de-sete-indicadores-econ%C3%B4micos-sob-bolsonaro/a-63302330

3- A crise social tomou contornos dramáticos principalmente durante a pandemia, e esse não foi um fator menor na perda de popularidade do governo que permitiu a recomposição do PT. A opção deliberada do governo federal por uma série de políticas (negação da pandemia, evitar isolamento social ao máximo, distribuição de placebos e rechaço a vacina) que levaria a morte de centenas de milhares de pessoas se mostrou, além de uma tragédia, um crasso erro estratégico do qual Bolsonaro nunca se recuperou, nem mesmo quando usou massivamente a máquina pública na disputa eleitoral de 2022. Alguns dados chocantes sobre a crise que o governo produziu durante a pandemia podem ser encontrados no artigo de Osmar Alencar: https://www.redalyc.org/journal/938/93868584002/html/

4- conferir: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2022/02/04/desmatamento-na-amazonia-cresce-56percent-no-governo-bolsonaro-diz-ipam.ghtml

5- Conferir: https://jornalistaslivres.org/10-milhoes-de-pessoas-entraram-na-miseria-durante-o-governo-bolsonaro/

6- Conferir: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2022/10/26/bolsonaro-diz-que-nao-ha-fome-mas-49-milhoes-de-miseraveis-discordam.htm

7- Conferir: https://www.brasildefato.com.br/2022/09/21/taxa-de-desemprego-dobrou-na-gestao-de-bolsonaro-em-relacao-a-governos-petistas-aponta-estudo

8- Conferir: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf

9- Conferir: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2022/04/5001328-com-governo-bolsonaro-brasil-regista-maior-numero-de-conflitos-por-terra.html

10- Conferir: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/acoes-e-omissoes-de-bolsonaro-levam-a-*violencia-e-morte-entre-indigenas/

11- Sobre este tema há um artigo na revista movimentos que ajuda a entender as implicações dessas revoltas nos resultados eleitorais recentes destes países: https://movimentorevista.com.br/2022/08/contribuicao-sobre-a-america-latina/

12- Neste sentido é importante ler a interessante análise de Vitor Wagner Neto de Oliveira sobre a crise do governo Dilma e os limites da Frente Popular: https://www.redalyc.org/journal/5524/552472317015/html/

13- Conferir o artigo de Yves Lacoste sobre o grande teórico da guerra, Clausewitz: https://lavrapalavra.com/2021/07/13/sobre-clausewitz-e-uma-geografia/

14- Para uma crítica ao terceiro mundismo, conferir o texto de Víctor Daltoé sobre Yves Lacoste e o problema de uma suposta coesão entre os estados periféricos: https://journals.openedition.org/terrabrasilis/8150

15- Para uma discussão sobre o campismo conferir: https://movimentorevista.com.br/2021/02/da-siria-a-hong-kong-o-que-e-o-campismo-e-porque-temos-que-combate-lo/

16- Exprimiu particularmente bem este problema a política de “apoio total” do PCO a invasão russa a Ucrânia (seja lá o que isto signifique): https://pco.org.br/2022/08/01/pco-declara-apoio-total-a-acao-da-russia-na-ucrania%EF%BF%BC/ é importante notar que dificilmente o PCO conseguiria sequer existir na Rússia, e se houvesse uma seção lá, com essa política eles estariam se colocando contra todo um setor da população que se manifesta contra a guerra.

17- A autoproclamada “quarta internacional” (na verdade o Secretariado Unificado – SU) chegou a defender o armamento da Ucrânia, que objetivamente seria feito pela OTAN, que eles acusam de ser imperialista no mesmo documento: “Entrega de armas a pedido do povo ucraniano para combater a invasão russa de seu território. Isto é solidariedade básica com as vítimas da agressão de um adversário muito mais poderoso.” Objetivamente isso significa fortalecer militarmente a presença da OTAN para enfrentar a Rússia, cujo PIB é menor que o estado norte americano do Texas. Ou seja, a posição do SU fortalece o imperialismo dos Estados Unidos no leste europeu. Conferir: https://movimentorevista.com.br/2022/03/nao-a-invasao-de-putin-na-ucrania-apoio-a-resistencia-ucraniana-solidariedade-com-a-oposicao-russa-a-guerra/

18- Um grupo pequeno que consegui fazer uma digressão bastante interessante e honesta sobre o tema foi o Reagrupamento Revolucionário (RR4I), no documento onde eles definem que é preciso encerrar a guerra através da luta de classes. No entanto o único problema é justamente a falta de uma esquerda organizada o suficiente para ser capaz de produzir esta resposta dentro da Ucrânia, visto que ela vem sendo esmagada pela ação da direita e dos fascistas desde a crise da Praça Euromaidan: https://rr4i.milharal.org/2022/03/06/tres-perguntas-e-respostas-sobre-a-guerra-na-ucrania/#more-5608

19- A esse respeito é importante ler o clássico do E. P. Thompson, “Costumes em comum”. Disponível em: https://www.academia.edu/61725474/THOMPSON_E_P_Costumes_em_comum_S%C3%A3o_Paulo_Companhia_das_Letras_1998_528_p

20- Conferir trabalho de Max Berr, “História do Socialismo e das Lutas Sociais Segunda Parte: As Lutas Sociais na Idade Média”. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/beer/ano/historia/p2cap01.htm

21- Conferir o artigo de Ricardo Antunes, Disponível em Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era da precarização estrutural do trabalho?: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/3JD9n46H3Dhn7BYbZ3wzC7t/?lang=pt

22- Conferir o trabalho de Camila Valle: https://revistas.ufrj.br/index.php/oikos/article/download/51972/28261

23- Diogo Fagundes escreveu uma matéria bem interessante sobre isso, que embora se refira a polemica entre o PC do B e o PCB, também serve para debater com toda a linha da UP, que é muito próxima de ambos: https://aterraeredonda.com.br/comunismo-reformista/

24- A palavra vanguarda é utilizada com o sentido de identificar uma parte (setor) da classe (ou seja lá qual o for o recorte) que esteja “com a consciência política mais avançada”, ou melhor dizendo, que esteja mais politizada. É a camada de militantes, ativistas e todos aqueles que de alguma forma estão mobilizados ou são os primeiros a se mobilizar. É da vanguarda que costumam sair os “quadros políticos”, ou seja aqueles que serão os representantes políticos imediatos da população. Os quadros tem um valor na economia política dos partidos: são um “capital” político muito importante, já que no período eleitoral puxarão votos.  Por esta razão costumam tanto ser o alvo do oportunismo daqueles que querem coopta-los ou da perseguição daqueles que querem silencia-los.

25- Em particular o Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT), que dirige o Esquerda Diário, teve uma polêmica no mínimo curiosa com a expressão “Poder Popular” identificando-a com a ascensão de governos pequeno-burgueses de esquerda na América Latina: https://www.esquerdadiario.com.br/Espectro-do-Comunismo-O-que-e-o-Poder-Popular

26- De maneira muito aproximada, hegemonia significa algo como “domínio pelo discurso”. Se o governo dependesse somente da repressão para manter o controle, estaríamos em uma sociedade muito mais militarizada do que vivemos hoje. Uma boa parte do poder é exercido através do convencimento e isso funciona porque o estado burguês democrático “de direito” é muito bom em produzir discursos, que são martelados diariamente na cabeça da população.  A questão toda é que há momentos em que essa hegemonia entra em crise, ou seja, o discurso dominante falha em explicar uma crise, abrindo espaço para que outros discursos, que podem ser mais a esquerda ou mais a direita, o façam.  A hegemonia da classe trabalhadora nada mais seria que um discurso vindo dos trabalhadores  que fosse capaz de rivalizar com a hegemonia da elite em termos de mobilização da população.

27- Conheça o trabalho da FIST: http://fistrj.blogspot.com/

28- É importante lembrar o caso da queda da União Soviética, que a despeito de no começo dos anos 90 ter sido “dissolvida” por um grupo de burocratas, sofreu um golpe de estado e um processo de transformação política que restaurou o controle burguês sobre a Rússia. O mesmo processo não parece ter acontecido na China, que apesar de suas inúmeras contradições, permanece sendo governado pelo partido comunista.

29- Não foi por acaso que quando irromperam as manifestações de 2013, haviam inúmeras organizações anarquistas com forte peso nos atos.

30- Existem vários exemplos e vários textos sobre a adaptação da Resistência ao PT, mas vou destacar o caso de Pernambuco: https://www.esquerdadiario.com.br/spip.php?page=gacetilla-articulo&id_article=40663

31- Conferir o interessante balanço feito por Felipe Correa acerca da experiência organizativa da AGP: https://passapalavra.info/2011/08/42775/

32- Este processo ficou conhecido como “zinovievização”: https://www.marxismo.org.br/zinoviev-e-a-degeneracao-stalinista-da-comintern/

33- Ver o artigo de Fabrício Pereira que detalha bem a melancólica história de adaptação do PCB aos regimes políticos do Brasil ao longo do século XX, uma série de desvios que esvaziou o partido até não sobrar praticamente nada e que só foi possível pelo forte controle burocrático de suas direções, que impedia o ajuste da linha do partido: file:///C:/Users/lhlag/Downloads/208-Texto%20do%20artigo-612-1-10-20120124.pdf

34- O partido Unidade Popular é um caso bastante curioso: um partido marxista que se legalizou em um período de ascensão da extrema direita, e que na prática é um tipo de braço eleitoral do Partido Comunista Revolucionário (PCR), racha do PC do B de 1966 e que existiu por dentro do PT por vários anos, cujo jornal é o “a verdade”: https://averdade.org.br/2022/11/um-guia-basico-para-apresentar-a-unidade-popular/

A Unidade Popular se esforça para esconder suas referências, mas uma breve olhada nos referenciais do PCR (https://pcrbrasil.org/curso/ ) revela que o partido reivindica figuras como Enver Hoxha, o autoritário líder do socialismo albanês que terminou por empurrar o seu país a uma situação de isolamento mesmo dentro do bloco dos estados operários, asfixiando economicamente o país por décadas, ver:  https://www.esquerda.net/artigo/albania-historia-de-um-pais-instavel/74142

35- Ver a análise de Jonas Medeiros: https://contrapoder.net/artigo/11-de-agosto-de-2022-uma-noite-de-distanciamentos-e-realinhamentos-na-esquerda-brasileira-uma-nova-oposicao-de-esquerda-e-um-renovado-campo-democratico-popular/

36- O burocratismo do PSTU é amplamente conhecido pelos veteranos da militância de esquerda pré-2013, e é relativamente fácil conseguir relatos de perseguição entre aqueles que estavam no movimento estudantil do começo dos anos 2000, a partir de métodos dignos do stalinismo. Claro que neste quesito o partido está longe de ser uma exceção entre os grupos que reivindicam o legado da quarta internacional, e é até na verdade bastante exemplar de como os métodos da burocracia soviética contaminaram inclusive os trotskistas. É cada vez mais urgente a necessidade de um balanço sério dessas táticas de construção, que transformaram o partido em uma seita profundamente ligada a burocracia sindical. Neste sentido a análise de Édison Urbano é bastante didática sobre alguns dos problemas do partido: https://www.esquerdadiario.com.br/A-divisao-do-PSTU-o-novo-MAIS-e-a-persistencia-dos-erros-em-teoria-e-politica?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=Newsletter

37- A despeito de se reivindicar marxista, o partido da causa operária tem um longo e perturbador histórico de posicionamentos controversos e/ou dúbios para temas como antissemitismo (https://causaoperaria.org.br/2022/o-lobby-judeu-por-tras-da-censura-a-monark/), apologia ao nazismo (https://causaoperaria.org.br/2022/abaixo-a-censura-a-monark-e-a-qualquer-um-que-diga-o-que-pensa/) ou aborto (https://causaoperaria.org.br/2022/condenacao-de-robinho-e-o-punitivismo-de-esquerda/ ). Na verdade a quantidade de problemas desse partido é tão grande que mereceria um texto a parte.

38- Este termo é utilizado para denotar tanto o uso do aparelho organizativo para enfrentar diferenças políticas (zionovievismo) quanto o controle autoritário do mesmo por setores da direção (centralismo). Seji Seron consegue sintetizar bem essa questão a partir das lutas de Trotsky: https://www.esquerdadiario.com.br/A-luta-de-Trotski-contra-a-degeneracao-burocratica-da-Revolucao-Russa

39- Conferir a denúncia do grupo Transição Socialista: https://transicao.org/conjuntura/pt-psol-pcb-e-pstu-traem-luta-para-derrubar-bolsonaro/

40- Conferir as declarações do próprio Geraldo Alckmin, mas não que isso já não fosse o discurso de uma parte da direção do PT antes: https://www.infomoney.com.br/politica/alckmin-responsabilidade-fiscal-e-avancos-sociais-nao-sao-incompativeis/

41 Conferir: http://lbi-qi.blogspot.com/

42- O diário da Causa Operária aderiu de forma seletiva a algumas teorias da conspiração para atacar vacinas prepraradas por países imperialistas enquanto enaltecia as vacinas de Cuba e da Rússia: https://causaoperaria.org.br/2022/povo-nao-acredita-no-governo-e-empresas-de-vacina-e-com-razao/

43- Os textos originais do esquerda diários não estão mais público, mas podem ser disponibilizados pela direção. Em todo caso o wsws (World Comunists Web Site) tem um acervo de denúncias sobre o caso: https://www.wsws.org/pt/articles/2020/12/24/brhc-d24.html

44- A linha política do PSOL nesse período, por exemplo, envolveu zero discussão sobre qual deveria ser a melhor estratégia para a erradicação da pandemia, e se concentrou em seguir a reboque das políticas da burguesia, tomando cuidado apenas para se delimitar do negacionismo explícito do governo Bolsonaro: https://psol50.org.br/relembre-as-acoes-do-psol-durante-todo-2020-para-combater-a-pandemia-e-a-irresponsabilidade-de-bolsonaro/

45- Possivelmente um dos únicos grupos que abordou a questão da possibilidade de erradicação da covid de frente foi o WSWS, ainda que em seu tom autoproclamatório típico mas é um documento que vale a pena ser lido: https://www.wsws.org/pt/articles/2021/10/07/pers-o07.html

46- A historicidade é como se fosse esse mapa da realidade histórica de uma determinada fonte ou documento, que não é possível de se alcançar sem um conhecimento historiográfico mínimo sobre o tema em questão. Transpor de forma “acrítica” frases, citações, ou mesmo princípios, fora do seu contexto original induz a uma falsa noção de transposição direta, que acaba sendo usada para enfeitar certas ideias. Por exemplo, a noção do que é ser “esquerda” mudou do séc XVIII, para o séc XIX e novamente para o séc XX. Para outros exemplos, conferir o artigo de Marialva Barbosa e Ana Regina Rêgo: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/26989

47- A cerca deste ponto é importante destacar o artigo de Funtowicz e Ravetz sobre ciência pós-normal onde eles propõem a criação de uma comunidade de pares ampliadas, envolvendo todos os setores sociais que abarcam uma determinada questão, para desta forma qualificar o debate sobre políticas públicas e orientar a elaboração de novos estudos: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/5R7X43J9DXT7TZsy8pxp3hR/?lang=pt

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